Faço este ano 40 anos! Embora sempre tenha achado que isso não me iria
chatear por aí além, e ainda que na verdade não esteja propriamente a stressar,
confesso que à medida que a data se aproxima tenho pensado nisso mais e mais! O
tempo passa e não volta mesmo para trás!
Faz este ano 22 anos, a páscoa também calhou a 31 de Março. O dia em que o
meu pai morreu. Ali, à nossa frente sem que pudéssemos fazer mais nada além do
que tentamos fazer.
Faz este ano 21 anos que a minha mãe morreu. Sozinha no hospital, um ano
menos um dia depois do meu pai.
A morte dos meus pais é O marco na minha vida. A altura que marca a
mudança. Na minha vida e em mim. Em mim principalmente, mas isso só o percebi
muitos anos depois. Continuar a viver depois da morte dos pais é muitas vezes
sobreviver. Não estou a falar em sobrevivência financeira, estou a falar em sobrevivência
emocional. Suponho que cada um sobrevive como pode. A minha sobrevivência
levou-me para a frente. Sempre. Mas sem pensar muito nisso para não ter de
enfrentar problemas que não queria enfrentar e não ter de lidar com os vazios
que a morte deles me deixou. A fugir. Tentando viver de forma ligeira, para não
me sentir soterrar. Consegui manter o bom humor e o sarcasmo, menos mal.
Tinha 18 anos acabados de fazer quando morreu o meu pai, 19 quando morreu a
minha mãe. Fiz a faculdade a eito, sem me dispersar, sem chumbar nenhum exame,
com uma boa média. Não me lembro da maior parte do que aprendi!
A vida é fodida, mais para uns, menos para outros, mas é sempre fodida. Adaptamos
o grau de sofrimento ao que sofremos e acabamos sempre por arranjar desculpas para
sofrer. Eu percebo que há gente que passou por situações muito piores que a
minha, e muita gente que nunca passou por nada, nem sabe a sorte que tem e ainda
assim se farta de sofrer! Mas hoje achei que me podia queixar, para acabar em
beleza e porque também mereço.
Passaram 22 anos sobre a morte dos meus pais e só agora começo a perceber
algumas das cicatrizes. Só agora me sinto capaz de me expôr e escrever. Só há pouco
tempo tenho consciência de como a minha personalidade se alterou com isso, e de
como isso me prejudicou. Mas essa é a minha realidade e não a consigo mudar.
Uma das grandes heranças da morte dos meus pais (da morte deles, não deles,
essas são outras heranças, bem diferentes!) é a minha personalidade gaulesa. A sensação
permanente de que o céu está sempre preparado para me cair em cima da cabeça e
a certeza de que de vez em quando cai mesmo. Sem avisar!
Outra é a sensação de que estou sempre um passo atrás da sorte. Chego
sempre às situações pelas quais luto e que desejo ou que simplesmente me aparecem no momento em que as regras
do jogo se alteram e já não é bem assim!
Os meus pais deixaram-me quando a minha idade adulta estava a começar, não
tive tempo de os conhecer como adultos, só como pais, percebem? Faltam-me as histórias
todas que eles nunca me chegaram a contar. Faltam-me! Dói-me o facto de o meu
filho não conhecer os avós e não os aproveitar. Magoa-me a falta que me fazem e
fizeram os pilares. Saber que fosse porque fosse havia alguém que estava sempre
lá.
Uma parte de mim teve de crescer à bruta. Tratar de mim e dos outros,
cozinhar por obrigação, ter responsabilidades em relação a terceiros, não
veio com os filhos, veio aos tropelões, sem preparação com a morte da minha
mãe. O saber que às vezes só podemos mesmo contar connosco, e que todas as
decisões que tomamos têm de ser pensadas sob esse ponto de vista, porque caso algo corra mal, caímos e lá em baixo não há rede, só o chão duro.
Fiquei mais fria, menos sensível, sem paciência para aturar paneleirices, e
especialmente para quem inventa problemas. Eles acabam por aparecer, não se
preocupem em inventá-los!!
Perdi ambição e força para lutar. Porque é que as coisas não podem ser fáceis
de vez em quando?!?!
De vez em quando tinha vontade de escrever este texto. Este ou outro que
falasse do que falo. Este é o texto que me saiu para fechar um BLOG que fez
todo o sentido durante o seu tempo e que agora já não fazia sentido nenhum.
Não falo aqui de todas as coisas boas, as que me aguentaram e ajudaram a
andar para a frente. Do Ca-zé que já estava comigo e que ainda continua, da sua
família que me acolheu desde sempre e que é também a minha, dos amigos, da família.
Muitas vezes foram eles que me salvaram, às vezes sem sequer se aperceber.
Mas a parte da minha alma que se partiu, não se consegue colar. Tenho um
buraco, escuro que nunca se irá fechar.
Esta sou eu!