quarta-feira, maio 27

A vida em surdina, David Lodge

Na fala, as opções são mais limitadas - se bem que o meu neto-enteado Daniel, filho de Marcia, ainda não tenha aprendido isto. Tem dois anos, ou dois anos e meio, e um vocabulário bastante bom para a idade, mas refere-se sempre a si próprio em termos declarativos, na terceira pessoa do singular e no presente. Quando lhe dizemos que são horas de ir para a cama, ele responde: «O Daniel não está cansado.» Quando lhe digo:«Dá um beijinho ao avô», ele responde:«O Daniel não dá beijinhos a nenhum avô.» Os pronomes são complicados para as crianças, como é óbvio, porque são «embraiadores», como costumamos dizer na gíria dos linguistas, o seu sentido depende por completo de quem os usa: «tu» significa tu quando eu o digo, mas significa eu quando és tu a utilizá-lo. (...) A Márcia está preocupada com isso e perguntou-me se eu achava que podia ser sintoma de qualquer coisa, de autismo por exemplo. (...) A verdade é que acho imensa graça à maneira como diz: «O Daniel tem sede.», «O Daniel não arruma os brinquedos», «hoje, o Daniel está envergonhado», com uma pausa perceptível em que se vê que está a pensar antes de falar.(...) Mas os pais jovens, pelo menos os pais instruídos de classe média, andam muito aflitos nos tempos que correm, recebem tanta informação dos media sobre as mil e uma maleitas de que os filhos podem padecer - autismo, dislexia, hiperactividade, alergias, obesidade e por aí fora -, que vivem num estado permanente de ansiedade, a observar constantemente os rebentos, como águias, à procura de sinais de alerta.

Finalmente um livro novo do David Lodge. Hoje de manhã no hospital, já me ri à gargalhada enquanto esperava pacientemente que o tempo passasse. Isto de ter autores preferidos que ainda estão vivos e nos vão presenteando com livros novos de vez em quando sabe mesmo bem! Mas das duas uma, ou os futebolistas ingleses são muito mais inteligentes que os portugueses, ou o David Lodge anda muito distraído, e ainda não percebeu que não são só os putos de dois anos que falam assim.....

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